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  • Foto do escritorPatrícia e Rafaela

OSCAR 2019: Roma

Atualizado: 30 de mai. de 2020

Com direção, fotografia e roteiro de Alfonso Cuarón, Roma, em preto e branco, traz uma lembrança singela da infância do diretor no México


O filme que leva a gigante de streaming, Netflix, pela primeira vez ao Oscar com 10 indicações, Roma, é uma obra semi-biográfica, em preto e branco, escrita, fotografada e dirigida por Alfonso Cuarón, diretor mexicano responsável pelos elogiados “Gravidade” e “Filhos da Esperança”. Roma retrata a história de Cleo – interpretada pela iniciante Yalitza Aparicio que concorre como melhor atriz no Oscar - empregada doméstica em uma casa de classe alta no bairro Roma que é localizado na cidade do México.

Cuarón com muita sensibilidade apresenta memórias de sua infância. O diretor cresceu na rua Tepeji, localizada no bairro Roma, retratada em uma das cenas do filme. Ele dedicou a obra a “Libo”, Liboria Rodriguez, uma jovem de origem indígena que trabalhou na casa de sua família enquanto crescia e serviu de inspiração para a personagem Cleo. Alfonso nos conta essa história com uma visão única que nos instiga e emociona do começo ao fim.


E falando em começo, os minutos que inauguram a obra em que vemos apenas a água que cai sobre a calçada, já nos inserem dentro da memória de Cuarón. O filme lento com uso de cenas longas; o prolongamento em pequenas ações cotidianas que traz um tom documental; sons que retratam o real e que não fazem uso de trilha sonora: evoca a sensação de que estamos diante de uma lembrança, que se reforça, no cheiro, no som e nas coisas mais simples e corriqueiras, como lavar constantemente uma grande calçada.


O uso do som para nos trazer emoções está presente em vários momentos de Roma, mas podemos citar a cena em que o marido estaciona o carro na garagem apertada. A sensação de irritação e desconforto presente na personagem é construída em nós espectadores por meio da angústia com os cachorros latindo; da elevação do som que foca no motor do carro; e do som da batida quando este se choca com a parede mais de uma vez. Posteriormente, quando a esposa (retratado por Marina de Tavira que concorre ao Oscar de atriz coadjuvante), precisa seguir a vida sem o marido temos uma cena similar, porém muito mais tranquila porque ela trocou de carro para um muito menor.


Outra cena em que o uso do som se faz presente é o final, a sensação de gratidão e de que elas, empregada e patroa, fazem o possível para viver em uma situação difícil (a primeira abandonada pelo marido que encontra novas prioridades e a deixa financeiramente e fisicamente sozinha para criar quatro crianças e a segunda, recém sofreu aborto, de um homem agressivo, militar que não só não desejava a criança como a ameaça duas vezes), é intensificada - e aqui de novo o aspecto da lembrança - pelo som do mar que se sobressai as vozes tornando o dialogo quase inaudível, afinal não nos lembramos exatamente daquilo que falamos em momentos importantes mas lembramos dos sons, cheiros e sensações.

Outro aspecto interessante sobre o filme é o preto e branco moderno, na verdade o longa foi filmado a cores e posteriormente transformado em vários tons de cinza, isso aliado ao estilo de filmagem, explicam porque o filme tem a melhor fotografia entre os indicados desse ano. As performances de Yalitza e Marina são quase imperceptíveis devido as poucas cenas em que enxergamos seus rostos, mas talvez porque somos inseridos nos aspectos mais mundanos de suas existências, nas poucas cenas em que o diretor faz uso de closes, temos uma sobrecarga emocional impressionante que justifica as indicações de atuação.


A grande proeza de Cuarón no que diz respeito ao roteiro é que por mais que aparentemente se trate da vida da empregada, ele faz um brilhante cruzamento de gênero e classe, ao enquanto conta as condições que se assemelham com escravidão de Cleo, conta também a vida de mulheres que criam seus filhos sozinhas e de homens que se sentem no direito de se eximir de qualquer responsabilidade sobre as crias.


O filme retrata, também, o massacre de Corpus Christi ou “Halconazo” que ocorreu em 10 de julho de 1971. E assim como na vida, não vemos a construção desse momento, mas sim, a sua passagem em um dia qualquer e o seu impacto na vida das pessoas. Não tirando o mérito da obra, mas é importante problematizar a visão contaminada pela memória, de Cuarón. O diretor apresenta uma visão idílica, romantizada e idealizada do abuso sofrido pela personagem Cleo, que trabalha em condições análogas à escravidão.


A ideia de que por ela ser “amada” pela família fica tudo bem, é uma distorção da violência sofrida, e comparando com o Brasil - país também latino americano com histórico similar nesse aspecto – causa incomodo a mensagem que o filme traz (ou deixa de trazer) sobre essa questão. Por fim, o filme se propõe a ser memórias, e estas de quem cresceu nesse ambiente, naturalizando essa situação. Portanto, para aquilo que Roma se propõe a ser, talvez essa romantização faça parte e construa de maneira mais completa a sua própria narrativa.


Beijos, Rafaela L.

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